quarta-feira, 19 de março de 2014

Números Negativos

Introdução

A curiosidade de alguns estudantes tanto do ensino fundamental ou médio sobre a história dos números e especialmente a dos números negativos, incentivou-me a pesquisar sobre o assunto, e daí surgiu a idéia de neste artigo caminhar na linha do tempo de 300 a .C. ao século XX.
Mostrando que entre a aparição e aceitação do número negativo levou mais de 1000 anos.
É interessante que os alunos saibam que as mesmas dúvidas que aparecem hoje no contato com os números inteiros, já instigava questionamentos de célebres matemáticos como Euler, Laplace, Cauchy, Mac Laurin e Carnot, por exemplo.
Laplace (1749-1827) com respeito a Regra de Sinais disse:
"É difícil conceber que um produto de (-a) por (-b) é o mesmo que a por b".
Mac Laurin (1698-1746) disse a respeito do número negativo: "A quantidade negativa, bem longe de ser rigorosamente menos que nada, não é menos real em sua espécie que a quantidade positiva".

O Surgimento do número negativo
Ao contrário dos números naturais e fracionários positivos que tem raízes em experimentações geométricas, os números negativos , os irracionais e os complexos surgiram da manipulação algébrica, como na resolução de equações de 1º e 2º graus.
Os matemáticos do período Alexandrino que se iniciou 300 a.C., influenciados pela civilização egípcia e babilônica, fizeram uma matemática mais orientada para resolver problemas práticos, abordavam temas de óptica, geografia, hidrodinâmica e astronomia.
Nestes trabalhos utilizaram números irracionais com aproximações e iniciaram uma álgebra sem usar a geometria. Foi Diofanto (300 à 250 a.C.) que introduziu uma notação abreviada para representar as potências e as quantidades desconhecidas e abordou a resolução das equações algébricas sem recorrer à geometria.
Assim o produto concreto do tipo (x-3) (x-4) foi desenvolvido algebricamente , o que há de supor que ele conhecia a identidade algébrica (a-b) (c-d)=ac-bc-ad+bd.
É citado uma regra para este produto de diferenças que pode ser considerada como o "germem" do que pode ser chamado de regra de sinais: "Subtração por subtração dá adição".
Isto não significa que conhecesse os números negativos, pois esta regra se refere ao produto de diferenças e sempre a>b e c>d , e não há produto de números negativos. Diofanto considerava somente as raízes positivas das equações, mostrando o seu desconhecimento pelos números negativos.

Civilização hindu - Invenção do número negativo

A grande contribuição dos hindus para a matemática foi a criação de um sistema de numeração posicional de base dez, cuja eficácia e simplicidade para o cálculo aritmético se estendera universalmente.
A necessidade de agilizar os cálculos astronômicos os sábios hindus se preocupavam por idealizar formas de representação numérica que simplificassem esse cálculos.
Os matemáticos hindus mostraram ser virtuosos no cálculo aritmético e algébrico que permitiram conceber um novo tipo de símbolo para representar dívidas que posteriormente o Ocidente chamariam de negativo.
A primeira vez que explicitamente as regras que regem a aritmética com os números negativos aparecem em uma obra foi na do matemático Brahmagupta que data do ano 628 d.C. Não só utilizou os negativos em seus cálculos como os considerou entidades separadas e os dotou de uma aritmética concordante com a dos inteiros.
Muitos séculos se passaram para que o interesse pelos números negativos fosse retomado.
Civilização árabe - Os negativos ignorados
O ano de 622 d.C. marca o início da era muçulmana e o começo da expansão do estado islâmico. Após um século os árabes começaram a se interessar pela cultura dos povos conquistados.
Al-Kwrizmi foi um matemático que alcançou maior popularidade, morrendo em 850 d.C.
Ele escreveu tratados de astronomia, livros de álgebra e aritmética que tiveram muita influência na matemática européia no final da Idade Média e no Renascimento.
Alguns historiadores escreveram que foram problemas com dinheiro que interpretaram o número negativo como perda.
Negativo - esta palavra pode ter vindo desta época que eram os valores NEGADOS quando se obtinha raízes negativas de uma equação.

Renascimento

No Renascimento abriu-se uma nova etapa para os números negativos.

Provavelmente foi no Renascimento que apareceu um número negativo ligado à uma equação algébrica, na obra do matemático francês Nicolás Chuquet (1445-1500). Se trata de seu "Triparty", escrita em 1484, que poderíamos dizer hoje 4x = -2 . Não existia os símbolos "x", "=", "-".
Stevin (1548-1620) aceita os números negativos como raízes e coeficientes de equações.
Admite a adição de x +(-y) em lugar de considerá-la como subtração de y á x. Também tratou de justificar geometricamente a regra de sinais fazendo uso da identidade algébrica: (a-b) (c-d)= ac-bc-ad+bd
Século XVII - com o nascimento das ciências modernas, amplia-se o uso dos números negativos. Aparece as primeiras intenções de legitimá-los.
Foi o matemático Albert Girard (1590-1639) o primeiro a reconhecer explicitamente a utilidade algébrica de admitir as raízes negativas e imaginárias como soluções formais das equações; porque ele permitia uma regra geral de resolução na construção de equações através de suas raízes.
No final do século XVII, surgiu a obra de Viéte, esta mais tarde ampliada admitiu que as expressões literais pudessem tomar valores negativos, no entanto, a Álgebra não teria conhecido um tal avanço se esta generalização do número não tivesse sido acompanhada por uma descoberta igualmente fundamental, realizada em 1591 por Viéte e aperfeiçoada em 1637 por Descartes: a notação simbólica literal.

Demonstração das Regras de Sinais para a multiplicação- Cauchy

1) a=+A 3) +a=+A 5) –a=-A


2) b=-A 4) +b=-A 6) –b= +A


Substituindo 1 em 3 temos:


+(+A) = +A + . + = +


Substituindo 2 em 4 temos:


+(-A) = -A + . - = -


Substituindo 1 em 5 temos:


-(+A)=-A - . + = -


Substituindo 2 em 6 temos:


-(-A)=+A - . - = +


A legitimidade dos números negativos deu-se definitivamente por Hermann Hankel (1839-1873) publicada em 1867, "Teoria do Sistema dos números Complexos". Hankel formulou o princípio de permanência e das leis formais que estabelece um critério geral de algumas aplicações do conceito de número.
Finalmente Dedekind (1831-1916), amigo de Cantor estabeleceu uma relação de equivalência entre pares de números naturais e faz referência da subtração como inversa da adição: a-b =c-d, logo a+d= b+d . Ele demonstra que esta relação é de equivalência, e o conjunto das classes de equivalência será o conjunto dos números Inteiros.
Foram os complexos os últimos a obterem legitimidade.
A fundamentação dos números complexos foi proporcionada por Hamiltom (1805-1865).

Profª Leda Maria Bastoni Talavera tem especialização em Educação Matemática pelas Faculdades Oswaldo Cruz leciona no Colégio Campos Salles (S.P.). Este artigo surgiu da reflexão coletiva do grupo de pesquisa em Educação Matemática da Escola do Futuro (USP), coordenado pela Drª Ruth Ribas Itacarambi.

Bibliografia:

Boyer B. C., "História da Matemática", 1996.
Ifrah G., "História Universal dos Algarismos", 1995.
Gonzalez J. L., Iriarte M., Jimeno M., Ortiz A., Ortiz A., Sanz E., Vargas-Machuca I., "Cultura e Aprendizagem - Números Inteiros", 1985.

Fonte: http://www.ccuec.unicamp.br/revista/infotec/artigos/leda.html

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